quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Distante, a tarde...


Jaz em mim e arde faz-se distante a tarde
Lenta longa lúgubre lícita larga labareda
A agonia do significativo simplório dia
E o diuturno antes tão sublime quanto
Definitivo dilui-se na vagarosa desmedida
Despedida mãos invisíveis apontam o
Tracejado viável repudiado descaminho
Sou meu tão seu sou tão sozinho eu
Desfeito o absoluto o nada vagueia
Impoluto célere célebre insuspeito
Longe hoje a tarde fecha-se o cerco
Trôpega caminhada aplaudem as plêiades
O circo das intempéries depauperadas
Incendeiam no crematório da vã e tola
Saudade o exaurido guardião dos tempos
A fuga e a dança a vulgaridade e o afã
Parelhos no horizonte finado azougue
Címbalos mágicos cadenciam a saciedade
Ilícitas imunes indícios inválidos inimagináveis
Solícitos hábeis caçadores de sonhos ciciam
Igualo todas as dúvidas em mim as tardes jazem
E os sótãos e os jardins e as almas empoeiradas
Abre-se pois o chão do alto o amanhã em mim
Sôfregas labaredas lícitas largas lentas lúgubre
Tão ao longe impreciso precioso adeus.


Renata Affonso

Gélida Madrugada


Gélidas mãos madrugada vazia perto do fim
E já não me importo eu destranco propósitos
Assomo o inteiro perdido tolo insano anseio
Mitigando a pena o imperceptível cresce paradoxal
Desaparece tão somente por já não o ser - e mente
Nada que o sempre repare é tanto o nunca mais
E tão indecifrável a longa caminhada solitária viagem
Passos largos desencorajados ainda há metas e um
Sim incerto árido deserto santuário em mim - sim
Trepidante o que piso me guia me arrasta enleva
Devasta assoalhos não valho o que não ganhei
Abstraio extraio de minhas velhas raízes o bom
Quando são gélidas as madrugadas e as mãos vazias
Tão perto do fim aguardam apenas por um sinal
E ele corrupto peregrino d'alma contrasta indiferente
Luta debilmente frustrado adversários enlutados
E minhas tórridas mãos hoje gélidas mãos enluvadas
Curvam-se ante a toda deturpada aceita verdade
Arde nos dissabores o para sempre paraíso perdido
Mas ainda insisto no peito a dúbia entristecida certeza
As carpideiras e os artesãos dos calabouços e um retrato
Celebram cinicamente unem suas muito calamitosas forças
No último ato o dissipar dos véus um desfocado céu e eu
Não sei mais dizer enfim quando deixei de viver em você
Nas insistências e desistências o embriagado destino decide
Incide sobre mim a desarrazoada borrada indigna realidade
Madrugada gélida esperança macerada guerra perdida mentiras
As sepulturas vazias sinalizam novos dias e estradas e ares
É dia e brilha o Sol voo com ele sem rumo ou motivo eu vou
Até outra vez fazer-se noite e eu voltar a ser e só ser só
Mais uma estrela perdida dentro de mim na gélida madrugada
Sem fim. 


Renata Affonso





A vida que eu viveria...


Dentro da escuridão - passos- o que não é sabido em ruínas
Alucina abriga lúcida o cálido repouso passageiro os despojos
Das entranhas dos flácidos anseios a vida hoje estranha corrompe
as manhãs e eu somente antevejo o que jamais inimaginável será
Venha depressa caminhe pelos muros ignore os pesados portões
E quando estiver seja choro seja bela seja a alegria seja a vela
Traga pelas mãos os isolados sobreviventes ao lodo- persistente
Tolo e inconveniente o pesar companhia apesar de contente
Resistente a rosa conserva a pétala a essência o orvalho
A vida um instante entre qualquer intrépido sonho e o despertar
Revela-se inveja-se sua fúria delirante sua doçura instigante
Quando violões solitários divinizam canções nunca ouvidas 
E tantas outras jazem sentidas perdidas num mar de breu
Eu que não quero ser nada sou inteira sou um compasso só meu
Ser a minha obra a minha rotina devaneios escolhas infindas
Estranhas as razões tão distantes das entranhas a vertigem
Dissipando deturpando decidindo desistindo devolvendo
Tudo a mim e outra vez e sempre eu e minhas tristezas
E qualquer sombra de alegria decifro adivinho minha não agonia
E é cedo - ainda - trago num resto de vida toda a vida que eu viveria.

Renata Affonso

Velhas esquinas


É tudo tão só solidão vagueio pelas esquinas caiadas
Inventadas em minh'alma debruço nos desfiladeiros
Corpo inteiro cilada voraz hoje nada resta e tanto faz
Os assoalhos tingidos de vermelho trepidam piso e longe
Ao largo um gemido um não grito um quase lamento
Cântaros de preciosas futilidades e o protesto dos algozes
São eles os contras nos prós das ofensas e das elegias
Hoje o medíocre vazio perambula seu sorriso frouxo
A presunção do infinito escarnece, pois, do próprio medo
Apreço e desassossego desvario nos céus da áspera saudade
Quando o que já foi é tudo que ainda arde e é tão tarde
Espero o caminho insano um fim começando ao meio
Sem ao menos quase tanto dizer a que veio serpenteiam
Nos espelhos a implacável realidade as velhas esquinas
Sombrios tempos momentos sofrimentos que nunca existiram
Longe da sanidade recorro ao ópio da sóbria ilusória verdade
Ergo meu corpo minha voz pode não ser afinal tão tarde
E – ainda que haja um fim - aquele mesmo terminado pelo meio
Resquícios – volto ao início ao meu descaminho desinventado
O que sei o que foi o que virá apenas se ainda sou – já não sei
E não importa entendo tragada pelo abismo atônita resisto
Ainda uma vez mais afastada de mim mares delineam os espectrais
Horizontes sem fim sótãos porões e as inatingíveis torres de marfim
Calada decido ante o espelho sou só e o que vejo avança pelas horas
Horas que não se contam só o pranto derradeiro infiel companheiro
E na esquálida lua o canto do agradecimento recrudesce insistente
Resta pelos cantos das esquinas destruídas uma lágrima mágica
E cínica de arrependimento diluída na toda solidão a dolorosa presença
Ausente a multidão em mim freme esgotam-se as não possibilidades
Em minhas frágeis ambiciosas mãos o meu mundo meu leme
Ressurge a esquina inventada caiada apenas mais um caminho
E milagre reconheço em mim agora somente o que sempre fui 
Eu. E somente eu.


Renata Affonso

Enfim, renascer


Tétricas trajetórias traçadas tragando tropeços tantos
Tanto e a indolência errática  companheira tolero
Sibila a noite trago no semblante lágrimas sem dores
Trajo o desalinho do desencontro aguardado e trago
As marcas as chagas os rumores os esmorecimentos
Calo ante a embriaguez lúcida de toda nudez em mim
Enfim as cálidas orgias traçadas suspiram favores
Calam-se as vozes da razão pois quando loucuras gritam
Resvalo suspeitam os vales quando perder é ganhar o tudo
O que vale e o que invade tão longe das fronteiras do eu
Eu meus sonhos meus grandes desconhecidos amigos
Táticas sabotadas sangrando tácitas tranversas singularidades
E a perplexidade sóbria repudiando o que já não importa
Apenas armadilhas a casa o dia a vida a lida vazia
Vagando imprevisibilidades erros e o insuportável comum
Acertos incertos certamente acertam o alvo o conformado fado
Desfaço minha mala minha alma cala suplicante e só o lamento
Um breve instante o barqueiro o farol as dúvidas lancinantes
E o sortilégio dos amantes frustrados no fundo o medo
Cedo e deduzo há luz somem os alforriados estorvos sentimentos
Solenidades e o não juízo o jugo caído por terra algo sustenido
Julgamento inebriante réu e acusador máscaras vulgares sem pudor 
Nada de valor tudo e nada o céu explode estremece contrariedades
Vagarosamente recolho meu alforje possibilidades e preciosidades
É longe tanto o fim enfim faz-se tarde em mim tão seu – tudo
Lembrando do que não vivi prossigo insisto refém - entregue
Jaz a resistência ofusca a demência para que outra vez – e sempre
O que pode haver de melhor no percurso entre a terra e o céu
Cinzas de uma história qualquer seja o alento o crer para ser
Vertendo dilúvios de sacrílegas vicissitudes - enfim, renascer. 


Renata Affonso

Exílios e Sentenças


Signos bandoleiros horizontes dilacerados
Um passo e o precipício principia dilúvio e cio
Anseio e desvirginada a maldade freme - treme
Blefa relutante uma pausa o não instante 
Ininterrupto deserdar as invisíveis mãos
Tateiam na lasciva escuridão o que foi pó
Hoje só na estrada descrente as brumas
A petulante luminosidade semi-invade
O delírio do espectral faroleiro assoma
Assombra os poucos ainda encantos
Enquanto há os tantos cantos iluminados
Percalços e desacelero de soslaio subtraio
Apenas pensamentos as penas e os livramentos
Faleço infâncias renasço sonhos somente espero
Uma esperança presente tão viva na ausência
Fervilha nos intervalos o dolente laço fugaz
Arremedos de longínquos horizontes dilacerados
Silenciam as vozes as almas porque há tudo a dizer
E é muito e nunca em vão o perecer do que ainda assim
Permanece as paredes igualam as dores guardam saudades
No fim das tardes diuturnamente renasço falecidas infâncias
Livramentos e  penas pensamentos apenas
Exílios e sentenças.

Renata Affonso

E nada para lembrar...


Além do nada eu percebo atônita as multidões
O descaminho trilhado nas incoerências vãs
Suma importância o tudo que eu não sei e sumam
As insanidades e os erros felizmente tornam-se
Sãos e são eles justo na incredibilidade
O que de válido e perceptível ainda há
Em minhas mãos unidas na cética prece
Calúnia da desunidade surpreendente fim
O inexorável me guia usurpa a não alegria
E eu saqueio horizontes inverto invento as pontes
Desassemelho desamparos desamarro desassossegos
Amparo as minhas tantas companhias celebro
Os faróis da monotonia toleram – até quando?
As perversidades as inclemências normas sobrepujadas
A travessia nas conchas decreta a antítese da visibilidade 
Fachadas irreais retratam a não morte imaginária
Guerreiros alados medem forças tilintam os sinos da agonia
Lado e razão em submissão demolindo o dia
Anoitece  horizontes orquestram orgias
Da melancólica sinfonia almas elucidam o dia
Instantes e vilanias regozijos a idiossincrasia
Alados os mestres da hipocrisia decaem 
Ébrios comemoram a derrota de uma vida vazia
Expectantes tropeçam na lida sorriem um instante
A trilha de conchas a paz e a guerrilha
Jazigos e becos existência e o nada
Dentro da manhã clara eu sôfrega ilha
Devaneios e realidade eixos da inconformidade
Incinero as raízes da compreensão e sigo
Delírio e mansidão tortuoso caminho
Resvalo ante a impossibilidade a síntese do anti-perdão
Cegueira coletiva tateio me perco ao me encontrar
Amplidão vertigem virginal doce amanhecer
Reajo viajo divago em devassidões
Súbito é adormecer e suave é enfim despertar
Tudo tão diferente e tudo tão como deveria estar
Eu sou as multidões atônitas buscando apenas
Tenho em mim os esquecimentos de tanto
Do nada que tanto deveria enquanto há
Para lembrar...

Renata Affonso