quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Distante, a tarde...


Jaz em mim e arde faz-se distante a tarde
Lenta longa lúgubre lícita larga labareda
A agonia do significativo simplório dia
E o diuturno antes tão sublime quanto
Definitivo dilui-se na vagarosa desmedida
Despedida mãos invisíveis apontam o
Tracejado viável repudiado descaminho
Sou meu tão seu sou tão sozinho eu
Desfeito o absoluto o nada vagueia
Impoluto célere célebre insuspeito
Longe hoje a tarde fecha-se o cerco
Trôpega caminhada aplaudem as plêiades
O circo das intempéries depauperadas
Incendeiam no crematório da vã e tola
Saudade o exaurido guardião dos tempos
A fuga e a dança a vulgaridade e o afã
Parelhos no horizonte finado azougue
Címbalos mágicos cadenciam a saciedade
Ilícitas imunes indícios inválidos inimagináveis
Solícitos hábeis caçadores de sonhos ciciam
Igualo todas as dúvidas em mim as tardes jazem
E os sótãos e os jardins e as almas empoeiradas
Abre-se pois o chão do alto o amanhã em mim
Sôfregas labaredas lícitas largas lentas lúgubre
Tão ao longe impreciso precioso adeus.


Renata Affonso

Gélida Madrugada


Gélidas mãos madrugada vazia perto do fim
E já não me importo eu destranco propósitos
Assomo o inteiro perdido tolo insano anseio
Mitigando a pena o imperceptível cresce paradoxal
Desaparece tão somente por já não o ser - e mente
Nada que o sempre repare é tanto o nunca mais
E tão indecifrável a longa caminhada solitária viagem
Passos largos desencorajados ainda há metas e um
Sim incerto árido deserto santuário em mim - sim
Trepidante o que piso me guia me arrasta enleva
Devasta assoalhos não valho o que não ganhei
Abstraio extraio de minhas velhas raízes o bom
Quando são gélidas as madrugadas e as mãos vazias
Tão perto do fim aguardam apenas por um sinal
E ele corrupto peregrino d'alma contrasta indiferente
Luta debilmente frustrado adversários enlutados
E minhas tórridas mãos hoje gélidas mãos enluvadas
Curvam-se ante a toda deturpada aceita verdade
Arde nos dissabores o para sempre paraíso perdido
Mas ainda insisto no peito a dúbia entristecida certeza
As carpideiras e os artesãos dos calabouços e um retrato
Celebram cinicamente unem suas muito calamitosas forças
No último ato o dissipar dos véus um desfocado céu e eu
Não sei mais dizer enfim quando deixei de viver em você
Nas insistências e desistências o embriagado destino decide
Incide sobre mim a desarrazoada borrada indigna realidade
Madrugada gélida esperança macerada guerra perdida mentiras
As sepulturas vazias sinalizam novos dias e estradas e ares
É dia e brilha o Sol voo com ele sem rumo ou motivo eu vou
Até outra vez fazer-se noite e eu voltar a ser e só ser só
Mais uma estrela perdida dentro de mim na gélida madrugada
Sem fim. 


Renata Affonso





A vida que eu viveria...


Dentro da escuridão - passos- o que não é sabido em ruínas
Alucina abriga lúcida o cálido repouso passageiro os despojos
Das entranhas dos flácidos anseios a vida hoje estranha corrompe
as manhãs e eu somente antevejo o que jamais inimaginável será
Venha depressa caminhe pelos muros ignore os pesados portões
E quando estiver seja choro seja bela seja a alegria seja a vela
Traga pelas mãos os isolados sobreviventes ao lodo- persistente
Tolo e inconveniente o pesar companhia apesar de contente
Resistente a rosa conserva a pétala a essência o orvalho
A vida um instante entre qualquer intrépido sonho e o despertar
Revela-se inveja-se sua fúria delirante sua doçura instigante
Quando violões solitários divinizam canções nunca ouvidas 
E tantas outras jazem sentidas perdidas num mar de breu
Eu que não quero ser nada sou inteira sou um compasso só meu
Ser a minha obra a minha rotina devaneios escolhas infindas
Estranhas as razões tão distantes das entranhas a vertigem
Dissipando deturpando decidindo desistindo devolvendo
Tudo a mim e outra vez e sempre eu e minhas tristezas
E qualquer sombra de alegria decifro adivinho minha não agonia
E é cedo - ainda - trago num resto de vida toda a vida que eu viveria.

Renata Affonso

Velhas esquinas


É tudo tão só solidão vagueio pelas esquinas caiadas
Inventadas em minh'alma debruço nos desfiladeiros
Corpo inteiro cilada voraz hoje nada resta e tanto faz
Os assoalhos tingidos de vermelho trepidam piso e longe
Ao largo um gemido um não grito um quase lamento
Cântaros de preciosas futilidades e o protesto dos algozes
São eles os contras nos prós das ofensas e das elegias
Hoje o medíocre vazio perambula seu sorriso frouxo
A presunção do infinito escarnece, pois, do próprio medo
Apreço e desassossego desvario nos céus da áspera saudade
Quando o que já foi é tudo que ainda arde e é tão tarde
Espero o caminho insano um fim começando ao meio
Sem ao menos quase tanto dizer a que veio serpenteiam
Nos espelhos a implacável realidade as velhas esquinas
Sombrios tempos momentos sofrimentos que nunca existiram
Longe da sanidade recorro ao ópio da sóbria ilusória verdade
Ergo meu corpo minha voz pode não ser afinal tão tarde
E – ainda que haja um fim - aquele mesmo terminado pelo meio
Resquícios – volto ao início ao meu descaminho desinventado
O que sei o que foi o que virá apenas se ainda sou – já não sei
E não importa entendo tragada pelo abismo atônita resisto
Ainda uma vez mais afastada de mim mares delineam os espectrais
Horizontes sem fim sótãos porões e as inatingíveis torres de marfim
Calada decido ante o espelho sou só e o que vejo avança pelas horas
Horas que não se contam só o pranto derradeiro infiel companheiro
E na esquálida lua o canto do agradecimento recrudesce insistente
Resta pelos cantos das esquinas destruídas uma lágrima mágica
E cínica de arrependimento diluída na toda solidão a dolorosa presença
Ausente a multidão em mim freme esgotam-se as não possibilidades
Em minhas frágeis ambiciosas mãos o meu mundo meu leme
Ressurge a esquina inventada caiada apenas mais um caminho
E milagre reconheço em mim agora somente o que sempre fui 
Eu. E somente eu.


Renata Affonso

Enfim, renascer


Tétricas trajetórias traçadas tragando tropeços tantos
Tanto e a indolência errática  companheira tolero
Sibila a noite trago no semblante lágrimas sem dores
Trajo o desalinho do desencontro aguardado e trago
As marcas as chagas os rumores os esmorecimentos
Calo ante a embriaguez lúcida de toda nudez em mim
Enfim as cálidas orgias traçadas suspiram favores
Calam-se as vozes da razão pois quando loucuras gritam
Resvalo suspeitam os vales quando perder é ganhar o tudo
O que vale e o que invade tão longe das fronteiras do eu
Eu meus sonhos meus grandes desconhecidos amigos
Táticas sabotadas sangrando tácitas tranversas singularidades
E a perplexidade sóbria repudiando o que já não importa
Apenas armadilhas a casa o dia a vida a lida vazia
Vagando imprevisibilidades erros e o insuportável comum
Acertos incertos certamente acertam o alvo o conformado fado
Desfaço minha mala minha alma cala suplicante e só o lamento
Um breve instante o barqueiro o farol as dúvidas lancinantes
E o sortilégio dos amantes frustrados no fundo o medo
Cedo e deduzo há luz somem os alforriados estorvos sentimentos
Solenidades e o não juízo o jugo caído por terra algo sustenido
Julgamento inebriante réu e acusador máscaras vulgares sem pudor 
Nada de valor tudo e nada o céu explode estremece contrariedades
Vagarosamente recolho meu alforje possibilidades e preciosidades
É longe tanto o fim enfim faz-se tarde em mim tão seu – tudo
Lembrando do que não vivi prossigo insisto refém - entregue
Jaz a resistência ofusca a demência para que outra vez – e sempre
O que pode haver de melhor no percurso entre a terra e o céu
Cinzas de uma história qualquer seja o alento o crer para ser
Vertendo dilúvios de sacrílegas vicissitudes - enfim, renascer. 


Renata Affonso

Exílios e Sentenças


Signos bandoleiros horizontes dilacerados
Um passo e o precipício principia dilúvio e cio
Anseio e desvirginada a maldade freme - treme
Blefa relutante uma pausa o não instante 
Ininterrupto deserdar as invisíveis mãos
Tateiam na lasciva escuridão o que foi pó
Hoje só na estrada descrente as brumas
A petulante luminosidade semi-invade
O delírio do espectral faroleiro assoma
Assombra os poucos ainda encantos
Enquanto há os tantos cantos iluminados
Percalços e desacelero de soslaio subtraio
Apenas pensamentos as penas e os livramentos
Faleço infâncias renasço sonhos somente espero
Uma esperança presente tão viva na ausência
Fervilha nos intervalos o dolente laço fugaz
Arremedos de longínquos horizontes dilacerados
Silenciam as vozes as almas porque há tudo a dizer
E é muito e nunca em vão o perecer do que ainda assim
Permanece as paredes igualam as dores guardam saudades
No fim das tardes diuturnamente renasço falecidas infâncias
Livramentos e  penas pensamentos apenas
Exílios e sentenças.

Renata Affonso

E nada para lembrar...


Além do nada eu percebo atônita as multidões
O descaminho trilhado nas incoerências vãs
Suma importância o tudo que eu não sei e sumam
As insanidades e os erros felizmente tornam-se
Sãos e são eles justo na incredibilidade
O que de válido e perceptível ainda há
Em minhas mãos unidas na cética prece
Calúnia da desunidade surpreendente fim
O inexorável me guia usurpa a não alegria
E eu saqueio horizontes inverto invento as pontes
Desassemelho desamparos desamarro desassossegos
Amparo as minhas tantas companhias celebro
Os faróis da monotonia toleram – até quando?
As perversidades as inclemências normas sobrepujadas
A travessia nas conchas decreta a antítese da visibilidade 
Fachadas irreais retratam a não morte imaginária
Guerreiros alados medem forças tilintam os sinos da agonia
Lado e razão em submissão demolindo o dia
Anoitece  horizontes orquestram orgias
Da melancólica sinfonia almas elucidam o dia
Instantes e vilanias regozijos a idiossincrasia
Alados os mestres da hipocrisia decaem 
Ébrios comemoram a derrota de uma vida vazia
Expectantes tropeçam na lida sorriem um instante
A trilha de conchas a paz e a guerrilha
Jazigos e becos existência e o nada
Dentro da manhã clara eu sôfrega ilha
Devaneios e realidade eixos da inconformidade
Incinero as raízes da compreensão e sigo
Delírio e mansidão tortuoso caminho
Resvalo ante a impossibilidade a síntese do anti-perdão
Cegueira coletiva tateio me perco ao me encontrar
Amplidão vertigem virginal doce amanhecer
Reajo viajo divago em devassidões
Súbito é adormecer e suave é enfim despertar
Tudo tão diferente e tudo tão como deveria estar
Eu sou as multidões atônitas buscando apenas
Tenho em mim os esquecimentos de tanto
Do nada que tanto deveria enquanto há
Para lembrar...

Renata Affonso


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Simulacros





Dias em branco noites aos prantos
Eu desaprendo a viver insistindo
Em viver somente apego o apêlo e tento
Transmuto solidões intento sê-lo e triste
Sou além do muito a mudez da voz tão altiva
Nudez complacente delírio na vastidão contida
Do meu quarto da minha rua da minh'alma invertida
No tudo tão nulo e que ainda assim convém
Servidão rebelde estilhaços devoro temeridades
Nas cidades de aço torres e calabouços esfumaçados
E ao longe ouço tambores de guerra adivinho sinas
Sinais apocalípticos a forca o sino o domo refulge
Foge a luz artificial decide desiste ante o final
O leito em que o profano antes tão irreal ardia
Dos erráticos pântanos ergue-se o derradeiro canto
Degelo desanuviando desavisados dramas e dilúvios
Simulo sorrisos e choros choro as contradições
Lições lembranças lívidas lendas tão ao largo
Espaços e tempos inexistentes vigora o insondável
Inexoravelmente descaminho no escaninho o pranto
As noites findam as nuvens púrpuras retornam ao vazio
No âmago da simplicidade reside existe persiste
A força e os dias são tão brancos, enfim
Mas as noites e os singulares prantos são tantos
Há vida o destino e apreendo no véu do desatino
Silenciando passos desfaço pactos só simulacros
O muito que é desfaz-se e o nada que foi renasce
Perene idolatria o desuso da tirania pálidos resquícios
De lucidez a intransigência e a pressa da vida
Somente desencontros, talvez.

Renata Rothstein 

sábado, 7 de julho de 2012

Fantasmas no Espelho








Perguntas sem respostas conclusões indefinidas e nada hoje faz sentido ou rima
A trajetória afogada afogueada no limbo imagens e explicações - o indisfarçável grita
As bolas de cristal trapaceiam e eu destôo do nada que vem - cumpro minha sina
Eu e os meus eus nos cínicos espelhos joelhos ralados pensamentos trocados
Sem tempo e espaço ou - já não sei - indiferente aos postiços preconceitos
Abstenho-me pois de tolerar inócuas salvações e salvadores tirânicos
Debruçada na torre da demente inexistência observo os mágicos e os salteadores
Ironia companheira constante traz a chave das algemas nas frágeis mãos dos traidores
E tão unos nulos prostrados na sua indignação recolhem suas lágrimas e suas dores
Os amadores castigam a si próprios no afã de tudo o que eu nem quero adivinhar
E é tanto a se desfazer para novamente erguer um castelo de sonhos divinatórios
Oro para que fora de mim eu consiga de alguma forma reencontrar o que sou
Fantasmas no espelho imagino tudo o que vejo e o que vejo hoje é o nada
Eu vou voo liberto minha alma aprisionada que desfalecida agradece ao momento
Incinero minhas tolas convicções e cedo ao apelo abstraio atraio me atiro ao impulso
Derrapando trangressões constato como é sábio ser louco quando o muito é tão pouco
Tampouco demérito o não saltar o fincar raízes perenes que embora não se saiba inexistem
É dia e anjos exigem atenção e a fuga da monotonia é só um caminho e é noite e vampiros sorriem
E tudo o que eu desprezo por si faz-se vazio é longo o desatino da lucidez e eu por minha vez
Transcendo meu pesar simulo genuínos sorrisos engulo com gana meu grito como se não houvera
Em direção ao Sol caminho solitária sob a estranha chuva prateada... mas como há chuva, se já não existe nada?!
Mãos dadas com a impiedosa maravilhosa vida já não me importo em saber  apenas em ser
Além do espaço e do tempo eu ao relento sou, enfim, feliz, eu e o nada, eu e somente a Luz
Eu sei que prosseguir traduz que é chegado o fim do ato - cerram-se  as cortinas enfim para recomeçar o que já vivi.


Renata Rothstein


domingo, 24 de junho de 2012

Amazona Embriagada






Lua incandescente crescente presente 
Você ausente sempre tanto em mim
Como se pudesse ser o início um fim
E assim calçar minhas botas e partir
Sem rumo o rumo é não ter o por quê
Quando as histórias contadas forem
Nada do todo real será desmaterializado
E incrivelmente não fará diferença
Nenhuma e os pormenores latejando
Reivindicando qualquer não direito
Devendo ao direito de orientar uma luz
Flagelos de um caminho despedaçado
O meu mágico violão e seus milagres
Confidências desconexas ganham cor
Qualquer sentido e eu digo não me arrependo
Ou não ligo colhendo as esmolas da noite fria
Vazia a sala vazia a alma minha mala cheia de trapos
De aventuras e discursos e cidades e cantos
Encantos me encanto pelo souvenir tão vil
Pirotécnicas escolhas pilhadas esporadicamente
Somente o inútil grito sufocado na madrugada 
Mãos calejadas unhas quebradas cansaço e solidão
Traga-me uma árvore da vida farei uma escolha bonita
Vagando como hoje - eu sei- seguirei sem pedir ou esperar
Um perdão decrépito caído no descrédito
Sorrirei outra vez calçarei minhas meias direi outra vez
Minhas meias verdades a quem não merece sequer mentiras
Amazona gueixa princesa embriaguez bailarina guerreira
Talvez eu despreze ou quem sabe possua – avidamente
Descarrego meu nexo revoluciono as conexões
Atravesso a estrábica miragem sempre em frente
Fingindo esquecer o destino e vivendo o instante
Faço do baluarte um  nada e ainda assim, o bastante
O tudo, por um instante.


Renata Rothstein








segunda-feira, 4 de junho de 2012

Passos invisíveis



Passos invisíveis na manhã sem sol
E é o gosto das guerras por lá vencidas
Nos vãos das batalhas há muito perdidas
Caminhos caminhas caminho e é só o agora
Nada mais no lá fora do meu viver denuncia
É hora de incendiar as hipócritas armadilhas
Surrealizo as pegadas pego carona no nada
Antevejo os portões e as orgias ridículas ideologias
Raptos de pensamento capengas cérebros de cimento
Só pó e somente o pó indolentes blasfêmias
No conluio pérfidas almas gêmeas pensam tramar
Todos os seus muito poucos obsoletos pactos
Ricocheteiam os dardos dados sempre falíveis
E já que é só o agora eu caminho no indisfarçavel
Invisível...caminho caminhas pelos caminhos...
Não carregue tanto peso tanto pseudo sofrimento
Abandone em algum canto seu cérebro de cimento
E assim, siga perambulando indignidades
Sorrateiras desoportunidades abrandarão o dia
Eu permaneço invisível passo vivendo
Cada vez mais leve ignoro o rapto do dia
Suma logo pois na suma visibilidade
E leve apenas como lembrança
Tua alma vazia.



Renata Rothstein

Despenhadeiros



Proximidades são tão somente despenhadeiros
Quando o desespero assola implora seu antiapelo
Trafego impiedosamente cascalhos de luar
Vacilo resvalo vago envergo minhas vastidões
Qual areia esvaindo-se no tempo contemplo
Chãos demolidos escolhidos indignados calados
Devaneios semeio na torturante luz do dia
Riem-se de mim meus não próprios "eus"
E supero suporto serena sequelas e solidão
E mesmo sem alcançar o que será - outra vez
Traço meus palmos debocho dos meus planos
Os enganos tão enganadores que dissolvem-se
Na lágrima ensaiada e explosiva que furtivamente
Insiste em escandalosamente furtar-se à testenhunhar
Calo e no calabouço da alma celebro a idílica liberdade
Ventanias cálidas nos desfiladeiros entoam canções
Despedem-se qual sol ao cair da tarde os despenhadeiros
Entardecendo aproximam-se afoitos os mesmos antigos sonhos
Apelo espero encerro ávida estranhas alucinações
Derramo no cálice da vida a vida que mostrar-se-á
Quando for embora outra vez - quem sabe de vez
A torturante náufraga em nós a noite prometida
Sibilante sedutora serena e selvagem noite
Plena e escura, que, estranhamente, clareia e traz a cura
À minha eterna sobrevivente despudorada procura.


Renata Rothstein
 

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Almas Embalsamadas




Silêncios cicios sorrateiros cios soluços
Almas embalsamadas belas malas nas mãos
Afagam o sol angélicas mãos ceifam qualquer
Delituoso desnecessário porvir - desassombro
Nos desvãos do abismo a incerteza do nada
Ser tudo e dúvidas caem da tarde fria
Arde gelidamente a partida – vazia
Dos pretéritos imperfeitos jazigos a turva transgressão
Cálida a prece e delicadamente estranho o dano
Desato choros calo gritos esforço grandezas
Torpes desatinos que ocultem a tristeza
Eu não aguardo trancada num canto qualquer
Empoeirado trancado guardando qual santa - insana
Tesouros banais e trapos ímpares inimitáveis
Disparidades irrecuperáveis singro impeço eternidades
Sangram minhas mãos enterneço impiedades
Ergo do caos qualquer lucidez enlouqueço
Traço nos destroços céus imaginários
Infinitos fim e começo - reconheço
Dos meus tropeços acerto os descaminhos 
E torno irreal o sonho que, decerto, não mais o será
Um dia.


Renata Rothstein

terça-feira, 22 de maio de 2012

O Canto dos Anjos Psicodélicos





Pólens impolutos pululam pérolas perdidas
Escadas galácticas invertidas intermináveis
Espaços passos no escuro medo o nada existe
Jogos de espelhos revejo o futuro do ontem
Inexato inexorável incipiente intransigência
Lá fora em algum inimaginado lugar luzes vagueiam
Dão lugar ao serpenteante ardil de solidões acompanhadas
Nos hospícios da vida trepidantes turbas mesclam-se a nós - e os nós
Cresce a trama inconteste dos dementes contrariados atados
Nulos e incertos acertos e erros anulo a minha incerteza
Deliro hostes desconcertadas de anjos psicodélicos
Espaços naves tempos cantos bélicos desestimulantes
Campos estranhamente floridos caminho e é você
Dentro de um outro eu verdadeiro - meu
Particípio de um novo princípio velado o antigo fim
Cremadas as glórias malsãs acordam novas manhãs
Áridos contratempos religam tão estranhamente
Quanto momentaneamente o impossível
Apressa o passo passa perece na prece prossegue
Chuvas chovem choram os rios na cheia obstinados
Insistem os rios correm transbordam engravidam a terra
Solitária.



Renata Rothstein

domingo, 13 de maio de 2012

Casas de Vidro


E eu...eu preciso tanto reviver
E só às vezes, não lembrar que esquecer
É só a face da perversa falsa indiferença
Diferente e que, ao acontecer, é breve
E a dor traz a paz fugaz tal dia que anoitece
Lágrimas enxutas e eu, radiante qual crente numa prece
Sem pressa nos campos da passageira eternidade
Sussurro minhas doces ásperas palavras ao vento
Em língua que jamais existiu
Sentindo jorrar paulatinamente a força
Sem ti - somando comigo meu abrigo
A mesma fé que, definitivamente, não tenho
Contudo vejo crescer incandescente e
Em mim o mar se afoga dialoga
Segredos há muito escondidos prossigo
A transparente nau de dóceis anseios
Aguarda o instante místico da estratégica retirada
O céu e o mar se fundem no azul de pureza maculada
Enleio elevo elejo elucidações e espargem
As lições desencontradas contadas por lendas
Fendas feridas forjadas fagulhas e felicidades
Cidades construídas em vidro - envidraçadas
Porém embaçadas - algo entre o tudo e o nada
Este que logo torna-se tudo engole o que agora é nada
Como conhecer o caminho ou a luz no fim de um túnel
Somente a loucura desafiadora presa nalguma masmorra
Ilusões... a antiga luz no fim de um misterioso túnel
E sequer chegamos à ponte e ainda não entendemos a fonte
Floresço renasço faço pactos parto antes do fim
Nas manhãs transparentes apenas a voz do vento
Um lamento exito apenas um momento
Minha alma cigana não se engana não cede
Sigo assim a andar meu sem rumo indolente
E assim finjo acreditar que caminho contente
Realejos e cartomantes e magos e sacerdotisas
Espelhos e a loucura e meu tanto nada
Continuo a lavra vã entorpecida
Não, não desisto insisto velada a lida
Encaro, pés descalços, minha ladeira
E a eterna  subida há vida
A vida.


Renata Rothstein

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Embriaguez em Netuno

                                     

Leio tateio no tempo tanto e perdido que ficou
Ao relento no movimento incansável insaciável
Serena e abissal preocupante calmaria e intento
Dedilhar vidas e violinos e noites e dias
Infindos hialinos símbolos dores e similares
Singulares frias consolações indignas de gozo
Nos muros dos caminhos de Netuno que não andei
Testemunhos assinalam erros exalam compaixão
Verdades mentiras meias verdades quem sabe
Talvez outra vez da paixão a embriaguez
Desencontrando desconstruções derramo
Meu tanto pranto já não há espanto ou encanto
Em cada canto de alma esconderijo e melodia
Andam juntos solfejam luz na pele macia
E é de novo a dor e a gula que não cicatriza
São os dias as noites os violinos as vidas dedilho
A delirante lucidez profana de um pálido reencontrar
E a santa loucura sã de uma eterna partida.

 
Renata Rothstein

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Amanhã será tudo igual...



E amanhã será tudo tão igual
O hoje o amanhã
Indiferença, afinal
Penumbras e claridades

Trôpega levito extenuada despida de mim
Sigo o desconhecido áspero caminho de volta 
Meu leme destruído meu lema não proferido e eu
Preferiria gritar o delirante saber do não se saber e evitar

Ante a multidão afoita a fonte da ironia míticos aforismos
Intermediários do mesmo princípio enregelada concessão
A súbita retomada de um capítulo fragilmente terminado
Detalhes subliminares atraem olhares trazem nas mãos

Trêmulas o holocausto casto e covardemente recusado
Pelos soberbos representantes ausentes no julgamento
Litígios e conluios e bradam adversárias transparências
E sou a louca a primeira e a última pessoa vergando espanto

Sendo muitas vezes nada de mim e assim muito mais
Tudo o todo o tolo todo o labirinto e a asfixia e sinto
Pressinto as distâncias e tudo é incerto e longe e tão perto
Tropeço. Meço meus sonhos quebro os grilhões me apresso

Dentro do inatingível a celebração do invisível é doce
E intolerante com os que buscam a cômoda inércia
Incinero obviedades sádicas dispo néscias suposições
Malas da vida prontas portões chegadas e despedidas

Tudo hoje é diferente
A indiferença, o final
A luminosidade e eu
Tudo que não quero. E o breu.

 
Renata Rothstein

Noite rara




Noite clara lua rara
Sortilégios e devassidão
Velas bruxuleantes e antes
Vício. Vivo um sonho cambaleante
Fugidio vívido qual cadente estrela
Pesadelo disfarçado de anjo brilhante
Fogos comemorações anunciam vilão e amante
Tocante dissipar do antídoto antigo ato
Desato desacato desvalido a desilusão
A lua é clara a noite enluarada tão rara
Cara a concessão das dores que um dia
Foram e hoje não passam somente
De incolores insípidos imolados amores
Hoje tão distantes que diria rumores
E eu quero -confesso - tão pouco
Tampouco divinizo o lancinante anseio
Revivo a sobriedade nos sótãos hipócritas
A santidade verdadeira é apenas metade
Do meu próprio pesar descreio
Meu grito rouco desafiante transgride
Resiste ante a anti-propriedade
Anelo fictícios laços retratos da fragilidade
Cristais exaustivamente mal disfarçados
No aço eu, o louco, encontro algum abrigo
Visível o rascunho do mapa da saudade
Outra vez o embriagante vinho do esquecimento
Sobrevivo reconheço no espelho dentro de mim
Noite rara enluarada tão clara
Caminho. Desfaço o anseio
E somente assim
Ainda serei eu, se assim for
Antes do fim.

Renata Rothstein